Visualizações

domingo, 19 de agosto de 2012

Memórias do tempo

Desde que cheguei não consigo parar de pensar em ti. As ruas por aqui estão mortas, cores que eram na minha infância cor-de-rosa, estão agora manchadas de um cinzento sujo.. Não te sei avaliar a minha visita: por um lado foi bom ter voltado à terra que me viu nascer, mas não achas por bem que fiquem só as boas recordações, manchadas de um pouquinho de esquecimento? Ainda ontem me lembrava da casa da Paula, a costureira,mulher do seu próprio nariz com categoria para gerir os seus próprios negócios sem que o marido interferisse. Ainda te recordas de como descrevi a casa? Um palácio,na verdade. De muros amarelo torrado a contrastar com a cor de vinho, como era bela. Hoje, ao passar pela rua dos oliveirais, deparei-me então com o que mais me custou ver nestes dois dias: Um incêndio destruiu-a. A cor de vinho transformou-se num preto carbonizado que se apoderou das paredes da casa, os muros sem vida já se encontram tombados,quase caídos. E ela desapareceu, consta cá na aldeia que fugiu para os montes onde vive agora com o tio, mas certezas ninguém tem. Não achas demasiado triste ver ser destruído em minutos aquilo que demoraste uma vida, com o teu suor, a tua dedicação a ser construído? 
Como deves calcular, fui então a casa dos meus pais e como que um segredo que te conto, custou-me entrar. As portas já sem força, os móveis já cobertos de uma película grossa de pó que me despertava a alergia. Foi aí que deixei de conter as lágrimas e solucei de dor. Preferia que as memórias de menina fossem as últimas que ficassem. Descobri então que as coisas acabam por ser muito idênticas às pessoas: elas precisam igualmente de carinho, de dedicação ou também se degradam... Lembraste do sofá de pele onde ainda chegamos a estar juntos? Bem, ele está corroído, talvez do tempo, talvez da mudança. Diz-me, será que tinha de ser assim, tão cruel o tempo? Ainda ontem tinha um vestido cor de rosa que adorava sujar no jardim. Onde estão as pessoas? Porque é que à medida que o tempo passa as coisas vão ficando mais velhas e não se mantêm para os locais onde tenho memórias não me façam questionar até as próprias questões? Eu volto depressa amor, enquanto isso guarda bem esta carta: ela um dia também vai ser recordação, e tal como todas as outras recordações, ela também vai ficando mais velha, mais velha...

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada pela visita