Memórias do tempo
Desde que cheguei não consigo parar de pensar em ti. As ruas por aqui estão mortas, cores que eram na minha infância cor-de-rosa, estão agora manchadas de um cinzento sujo.. Não te sei avaliar a minha visita: por um lado foi bom ter voltado à terra que me viu nascer, mas não achas por bem que fiquem só as boas recordações, manchadas de um pouquinho de esquecimento? Ainda ontem me lembrava da casa da Paula, a costureira,mulher do seu próprio nariz com categoria para gerir os seus próprios negócios sem que o marido interferisse. Ainda te recordas de como descrevi a casa? Um palácio,na verdade. De muros amarelo torrado a contrastar com a cor de vinho, como era bela. Hoje, ao passar pela rua dos oliveirais, deparei-me então com o que mais me custou ver nestes dois dias: Um incêndio destruiu-a. A cor de vinho transformou-se num preto carbonizado que se apoderou das paredes da casa, os muros sem vida já se encontram tombados,quase caídos. E ela desapareceu, consta cá na aldeia que fugiu para os montes onde vive agora com o tio, mas certezas ninguém tem. Não achas demasiado triste ver ser destruído em minutos aquilo que demoraste uma vida, com o teu suor, a tua dedicação a ser construído?
Como deves calcular, fui então a casa dos meus pais e como que um segredo que te conto, custou-me entrar. As portas já sem força, os móveis já cobertos de uma película grossa de pó que me despertava a alergia. Foi aí que deixei de conter as lágrimas e solucei de dor. Preferia que as memórias de menina fossem as últimas que ficassem. Descobri então que as coisas acabam por ser muito idênticas às pessoas: elas precisam igualmente de carinho, de dedicação ou também se degradam... Lembraste do sofá de pele onde ainda chegamos a estar juntos? Bem, ele está corroído, talvez do tempo, talvez da mudança. Diz-me, será que tinha de ser assim, tão cruel o tempo? Ainda ontem tinha um vestido cor de rosa que adorava sujar no jardim. Onde estão as pessoas? Porque é que à medida que o tempo passa as coisas vão ficando mais velhas e não se mantêm para os locais onde tenho memórias não me façam questionar até as próprias questões? Eu volto depressa amor, enquanto isso guarda bem esta carta: ela um dia também vai ser recordação, e tal como todas as outras recordações, ela também vai ficando mais velha, mais velha...
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigada pela visita