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sábado, 25 de dezembro de 2010

a velhice

Sento-me no banco, com alguma dificuldade como já me é habitual. Ajeito o meu cachecol preto e passo a mão na pele pálida que já me deixa sentir as suas rugas vincadas e medonhas.
Faz parte da minha rotina habitual sentar-me aqui, e como hoje é o caso, apreciar os flocos de neve que pousam sobre o rio, que se encontra congelado, tal e qual como o meu olhar. 
A vida é cruel: engana-nos, destrói-nos e por fim, mata-nos. É um ciclo vicioso que o ser humano sempre foi capaz de argumentar mas nunca capaz de resolver, como (quase) todo o resto.
Agora atrevo-me a passar aqui os dias, tendo de companhia a solidão. Ainda vou apreciando as crianças que saltitam de um lado para o outro, enquanto as mães lhes gritam num alvoroço, lhes ordenando que fiquem quietos. É bem verdade que as perspectivas das coisas estão consoante a idade que temos. Quem me dera ter idade agora para correr que nem um veado, energia para escalar uma montanha mas em vez disso, quando me mexo, parece que sinto os meus ossos quebrarem. 
É agora que olho para trás sem saber se devo sorrir ou chorar. E o coração que a minha mãe me concedeu está como um turbilhão de emoções inactivo. As memórias permanecem mais completas pela minha mulher do que por qualquer outra pessoa. Ela sim, sabia colocar-me um sorriso permanente na minha face, mesmo quando estava a gritar-me, suplicando mais uma vez para que colocasse as borras do café no caixote do lixo, e não na pia da loiça, como me era habitual fazer. Agora que partiu, faço-o: talvez porque agora dou valor a tudo aquilo que me dizia. 
Sinceramente, transmite-me agora mais amor ao olhar a sua fotografia, agora já não lhe posso tocar, muito menos escuta-la a dizer-me 'tens as mãos frias, toma lá' - e tirava-me as suas luvas e passava-mas para a mão.
Na altura pensava "é minha mulher, é o seu dever". 
Hoje (....), hoje quem me dera ouvir dizer-me estas palavras para que rapidamente lhas voltasse a colocar nas mãos com a mais pura delicadeza. 
Os seus cabelos loiros ainda vagueiam na minha memória, e o meu coração só anseia parar, por um lado, pois sei que me espera, tão reluzente, tão afectuosa como sempre foi.
A verdade, é que por mais que me digam o contrário, só sabemos aquilo que realmente sentimos, só damos o devido valor aos que nos são queridos, quando estes nos faltam. 



A velhice é no fundo, uma bênção: é quando nos apercebemos daquilo que somos, de quem somos. Foi impossível visionar isso antes de me aperceber que estou numa fase terminal,  que já não estou com um aspecto sequer duradouro. Porque ? Nunca tive tempo para pensar nisto. A velhice, eu sei bem o que é: é a idade da maturidade, a fase em que nos apercebemos que o tempo poderia ser melhor aproveitado; é onde apontamos os nossos erros e choramos por já não ter tempo de os corrigir.  

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